A crescente intensificação dos eventos climáticos extremos — como enchentes, secas severas, ilhas de calor e deslizamentos — impõe à engenharia urbana um novo paradigma: o de projetar e adaptar a infraestrutura das cidades não apenas para atender às necessidades cotidianas da população, mas também para resistir e mitigar os impactos das mudanças climáticas. No Brasil, onde mais de 85% da população vive em áreas urbanas (IBGE, 2022), a urgência de transformar o planejamento urbano é evidente.
O desafio não se restringe ao futuro: já está presente na deterioração de vias públicas, sobrecarga de sistemas de drenagem, aumento de doenças associadas ao saneamento precário e na perda de vidas humanas. Este artigo busca explorar como os profissionais de engenharia podem enfrentar esses desafios com planejamento técnico, tecnologias inovadoras e políticas públicas eficazes.
A Infraestrutura Urbana em Risco
A vulnerabilidade das cidades brasileiras
As cidades de médio porte — como Monte Alto, São Carlos ou Franca, por exemplo — compartilham características que as tornam particularmente vulneráveis às mudanças climáticas: crescimento desordenado, urbanização acelerada, infraestrutura obsoleta e limitada capacidade de resposta dos órgãos públicos.
De acordo com o Relatório de Avaliação Nacional sobre Mudanças Climáticas (Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, 2022), entre os eventos mais recorrentes estão as inundações urbanas e os deslizamentos de terra, principalmente em áreas de ocupação irregular. Dados da Confederação Nacional de Municípios (CNM, 2021) indicam que mais de 3 mil municípios já relataram prejuízos diretos decorrentes de eventos extremos nos últimos 5 anos.
Impactos sobre a infraestrutura urbana
As infraestruturas de saneamento, mobilidade e habitação são as mais afetadas:
- Sistemas de drenagem não dimensionados para chuvas intensas resultam em alagamentos frequentes, comprometendo a integridade de vias públicas, pontes e túneis.
- Redes de esgoto e abastecimento de água sofrem rupturas e contaminações por causa da elevação do lençol freático ou da pressão sobre reservatórios.
- Edificações sem padrões técnicos atualizados podem apresentar falhas estruturais diante de ventos fortes ou chuvas volumosas.
- Mobilidade urbana é comprometida quando vias principais ficam intransitáveis, impactando a economia local e a segurança.
Normas Técnicas e Diretrizes Reguladoras
Para enfrentar esses desafios, o profissional da engenharia deve observar normas técnicas da ABNT e legislações específicas. Algumas delas são fundamentais:
- ABNT NBR 15527/2007 — trata do aproveitamento de águas pluviais em áreas urbanas para fins não potáveis.
- ABNT NBR 12266/1992 — estabelece diretrizes para o dimensionamento de redes de drenagem urbana.
- Lei Federal nº 12.608/2012 — institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, com foco em prevenção de desastres.
- Resolução CONFEA nº 1010/2005 — define as atribuições profissionais dos engenheiros, inclusive no planejamento urbano e ambiental.
Essas normas oferecem uma base técnica para a elaboração de projetos mais resilientes, mas sua aplicação depende do engajamento dos profissionais e da exigência por parte do poder público.
Estratégias Técnicas para Cidades Resilientes
Soluções baseadas na natureza (SbN)
As soluções baseadas na natureza estão ganhando espaço como alternativa técnica e sustentável. Dentre elas, destacam-se:
- Jardins de chuva: áreas com vegetação que retêm e infiltram a água da chuva, reduzindo o volume que chega à rede de drenagem.
- Telhados verdes: coberturas vegetadas que ajudam na retenção de água e na regulação da temperatura.
- Pavimentos permeáveis: reduzem o escoamento superficial e aumentam a infiltração.
Segundo estudo do Instituto de Engenharia (2023), cidades que implementaram SbNs registraram redução média de 30% nos alagamentos em regiões críticas.
Planejamento urbano com base em dados
Com a popularização de tecnologias como geoprocessamento, sensoriamento remoto e modelagem computacional, tornou-se possível:
- Mapear áreas de risco com maior precisão;
- Simular cenários de eventos extremos;
- Antecipar a resposta da infraestrutura a diferentes níveis de chuva ou temperatura.
Cidades como Campinas (SP) e Recife (PE) já utilizam sistemas integrados de monitoramento climático para orientar obras e intervenções (Fonte: SEBRAE, 2022).
Requalificação de infraestrutura existente
Em muitas cidades, a reestruturação de sistemas antigos é tão importante quanto a construção de novos. A substituição de redes de drenagem por estruturas maiores e a instalação de reservatórios de contenção (piscinões) são medidas eficazes e relativamente rápidas.
Além disso, o reforço estrutural de pontes e passarelas deve levar em conta novos coeficientes de segurança para ventos e chuvas extremos, conforme recomendações atualizadas do Código de Obras e Edificações dos Municípios e normas como a ABNT NBR 7188/2013 (cargas móveis em pontes e viadutos).
O Papel da Engenharia Pública
Os engenheiros públicos têm papel estratégico no enfrentamento das mudanças climáticas. Atuam desde o licenciamento ambiental até o planejamento de obras e fiscalização.
Contudo, a carência de quadros técnicos capacitados e a baixa valorização da carreira pública dificultam a implementação de políticas estruturais. De acordo com o CREA-SP (2022), menos de 30% dos municípios paulistas contam com engenheiros concursados para planejamento urbano.
Isso reforça a importância de associações como a AEAA-MA na promoção de capacitações técnicas e articulações institucionais junto a prefeituras e consórcios regionais.
Casos de Boas Práticas no Brasil
Curitiba (PR)
Referência em planejamento urbano, Curitiba adota desde os anos 90 uma política de drenagem urbana sustentável com parques lineares e reservatórios naturais. A cidade registra redução significativa nos pontos de alagamento mesmo com aumento da frequência de chuvas.
Santos (SP)
Implementou o Plano de Ação Climática, com foco na elevação do nível do mar. Reforçou muros de contenção e redes pluviais, criando zonas de proteção em áreas costeiras.
Montes Claros (MG)
Investiu em requalificação de bueiros, ampliação de bocas de lobo e instalação de sensores pluviométricos que acionam alertas automáticos para Defesa Civil.
Conclusão
As mudanças climáticas já estão impactando a infraestrutura urbana brasileira, e o papel da engenharia torna-se ainda mais central na busca por soluções técnicas, sustentáveis e de longo prazo. A integração entre planejamento urbano, normas técnicas atualizadas, soluções baseadas na natureza e tecnologias de dados é o caminho mais promissor.
Profissionais da engenharia precisam estar preparados não apenas para projetar obras robustas, mas também para dialogar com o poder público, a comunidade técnica e a população em geral sobre a importância de cidades resilientes. A AEAAMA, nesse cenário, tem a missão de continuar sendo um elo de articulação e capacitação regional, contribuindo para um futuro urbano mais seguro e sustentável.
Eng. Francisco I. Pereira