Tendências que impactam a área tecnológica

Artigos

Tecnologia e digitalização provocam mudanças no comportamento de quem precisa inovar

Atuar nos ramos das Engenharias, Agronomia e Geociências é um grande desafio. Os profissionais precisam antecipar tendências, analisar mercado e mapear inovações na tentativa de prever as condições futuras da área tecnológica. A missão se deve ao cenário de constantes mudanças econômicas com o surgimento de tecnologias em ritmo acelerado.

“A digitalização segue sendo protagonista no desenvolvimento e tendências para novas soluções. Até pouco tempo atrás não tínhamos diferenciação, por exemplo, nas nomenclaturas que definiam as startups. Agora, elas já se transformam em construtechs2, agtechs3, edutechs4”, explica o chefe da equipe de Inovação do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado de São Paulo (Crea-SP), Eng. Augusto Pantaleão.

A adição do termo ‘tech’ frente ao setor, seja na construção civil, no agronegócio ou na educação, mostra o quanto o movimento da tecnologia e da digitalização tem levado para a mostra o potencial desses mercados. A inovação deixa de ser sinônimo das novas modalidades de trabalho para representar a transformação das formas de exercer ou executar determinadas funções.

São várias as referências: Internet das Coisas5 (da sigla IoT, em inglês) que conecta aparelhos e equipamentos numa mesma rede para compartilhamento de dados; metaverso6, com o surgimento dos ambientes virtuais que simulam a vida real; digital twin7, ou o gêmeo digital, usado para gerar um mesmo objeto, projeto ou estrutura em versão totalmente eletrônica, permitindo uma visualização completa e integrada; criptomoedas8, ativos financeiros que não existem em forma física. A lista cresce a cada dia.

E tudo isso tem razão de existir. Segundo Pantaleão, as soluções que envolvem o digital visam melhorar processos, gerar eficiência e impactar menos o meio ambiente. “Não tem mais como falar em inovação sem pensar em planejamento eficiente e sustentável. Seja qual for o campo de atuação, a visão de negócio deve agregar o digital”, diz.

O profissional deve estar preparado. Afinal, espera-se dos engenheiros, agrônomos, geocientistas e tecnólogos esse entendimento de futurismo, que nada mais é do que a metodologia que une ciência e arte para explorar, antecipar e protagonizar o amanhã. O que requer muito estudo.

“É preciso, minimamente, acompanhar essas tendências por meio de leitura dos conteúdos disponíveis. Mas, quando se trata de uma pessoa que está inserida no grande mercado, é importante ir além para aprender realmente como funcionam essas tecnologias”, comenta o engenheiro, ao falar da busca constante por conhecimento teórico com aplicação na prática.

Essa abordagem leva, inevitavelmente, ao conceito de cidades inteligentes, que são as comunidades que fazem uso da tecnologia em seus processos de planejamento com a participação dos cidadãos.

Segundo a União Europeia, Smart Cities são sistemas de pessoas interagindo e usando energia, materiais, serviços e financiamento para catalisar o desenvolvimento econômico e a melhoria da qualidade de vida. Ou seja, essas cidades se destacam por se desenvolverem economicamente e aumentarem a qualidade de vida dos cidadãos ao levar tecnologias e eficiência às operações urbanas.[1]

Nesse sentido, a Associação de Engenheiros, Arquitetos e Agrônomos de Monte Alto-AEAA-MA tem se adiantado para oferecer cursos e capacitações a todos os profissionais e cidadãos interessados nas funcionalidades e nos avanços trazidos pelas smart cities.

Segundo o presidente da entidade, Eng. Quimico e de Seg. Do Trabalho, Francisco Innocencio Pereira,são necessárias condições específicas para a implantação de cidades inteligentes. Segundo ele, a base dos problemas reside na não-concordância entre os cidadãos e as tecnologias. “Ou seja, o mundo em que vivem os gestores públicos não condiz com as necessidades dos cidadãos”, afirma Pereira.

Ainda segundo o presidente da AEAA-MA, isso não só atrasa os projetos e a inovação dentro dos municípios mas dificulta o que já está sendo feito. “Temos uma precariedade muito grande no diálogo entre os gestores das cidades, as empresas privadas e a sociedade civil. Nas cidades inteligentes deveríamos ter cidadãos inteligentes”, aponta.

Outro problema que se verifica nesse contexto são os orçamentos municipais, que são insuficientes para cumprir a agenda de inovação exigida para a implantação de programas que envolvem tecnologias para smart cities.

Além disso, observa-se ainda um baixo nível de agregação das tecnologias da informação, da comunicação e do uso de dados aos processos e serviços, pois a gestão pública segue aos poucos percebendo-as como estratégicas, e este é um fator primordial para as cidades inteligentes.

No Brasil, onde 84,7% da população vive nas cidades (de acordo com dados do IBGE de 2020), o tema da transformação digital, economia tecnológica e cidades inteligentes já é abordado e está evoluindo na gestão pública, assim como no resto do mundo.  Nos últimos 5 anos, surgiram aproximadamente 110 startups brasileiras focadas em soluções para  Smart Cities.

Por isso, Francisco tem colocado como prioridade em sua gestão à frente da entidade representativa dos engenheiros, agrônomos, geocientistas e tecnólogos os cursos e capacitações voltadas para o tema “cidades inteligentes”.

Gustavo Frata, engenheiro químico e doutor em tecnologia ambiental, é um dos docentes que tem realizado inúmeros cursos na entidade falando principalmente de Meio Ambiente, Resíduos Sólidos e Saneamento.

“O Brasil precisa pensar inicialmente em avançar na universalização do saneamento. Caímos sempre na tentação de dizer que outros países estariam à frente do Brasil, mas é difícil comparar realidades tão diferentes da nossa, já que cada uma das partes do mundo tem suas particularidades”, analisa o engenheiro.

Frata cita o exemplo da empresa Aarhus, na Dinamarca, que tornou neutra a energia do ciclo da água, o que propiciou o atendimento a 200 mil pessoas da região de Marselisborg, naquele país. “As melhorias não focaram apenas em reduzir perdas de água, mas no uso eficiente da energia no tratamento de água e efluentes. Para uma cidade ser inteligente, é importante que ela seja sustentável e tenha um sistema de saneamento que utilize água e energia de forma mais eficiente”, continua Frata.

Segundo estudos públicados no Brasil, a digitalização das instalações de água em Aarhus resultou na redução das perdas de água em 6% e, em 2016, do preço da água em 9% aos consumidores. “O que significa uso maior de sensores, acionamentos de velocidade variável e controle de processo avançado, com economia de energia e maior produção de energia a partir das águas residuais domésticas. Seria possível implementar essa solução nas instalações de toda a Europa”, diz.

A Cidade Inteligente endereça necessidades locais, empregando tecnologia. “Comparar uma cidade alemã, na qual integrar carros elétricos à rede elétrica seria uma prioridade, não se aplica ao Brasil. Existem cidades que utilizam muita tecnologia e com plano claro para ser uma Smart City, como Jundiaí, que está criando uma Lei de Inovação e escutando os munícipes para se certificar que os investimentos estão na direção correta. Outras cidades, infelizmente, a maioria, estão ainda muito atrasadas no uso da tecnologia” – avalia o engenheiro Francisco, presidente da AEAA-MA.

Gustavo Frata aponta alguns caminhos que podem ser trilhados para conduzir os municípios para a implantação das smart cities brasileiras.

A automatização das estações de saneamento é um das iniciativas que torna as cidades brasileiras inteligentes. Porém, segundo o engenheiro, nem mesmo o nível de automação com uso de drives e outros equipamentos seguem um padrão no Brasil.

“Alguns lugares aplicam mais estas soluções do que outros. Em primeiro lugar, precisaríamos ter a automatização de todas as plantas de saneamento do País adequadas a algum parâmetro a ser estabelecido. Um exemplo seria implementar em larga escala o controle do processo com PID em vez do tradicional ‘on/off’,” diz Frata.  “Ainda hoje é comum a intervenção humana para fazer as leituras e controlar o acionamento, desligamento e variação de velocidade dos equipamentos manualmente”, explica o engenheiro, que também trabalha com a gestão municipal de água.

Outro passo para a adequação dos municípios brasileiros aos conceitos de smart cities na área do saneamento seria utilizar tecnologia de forma mais intensa para aumentar a digitalização. “Por questões de Segurança de Informação, uma limitação hoje no setor é a dificuldade de integrar as redes de empresas de saneamento e dos seus fornecedores de serviços de monitoramento remoto. Se fosse possível contornar este obstáculo, o acompanhamento da operação seria mais assertivo e otimizado, tornando-a ainda mais eficiente e sustentável com menores custos”, aponta.

Automação de saneamento, integração de dados e gerenciamento das operações deveriam fazer parte das camadas de um plano diretor da cidade com diferentes estágios de implementação. “Utilizando o Big Data, acrescentamos outras camadas, impostos, mobilidade, saúde e serviços sociais, que permitam que a cidade se torne inteligente” – explica.

Por outro lado, temos que admitir que o saneamento envolve recursos naturais disponíveis e serviços de ampliações/reparos. “Para atingir esse nível de integração, a operadora de saneamento precisa de um centro de controle unificado, utilizando softwares agnósticos que permitem a troca de dados com outras soluções digitais e uma base de dados, com ativos, clientes, históricos de eventos muito confiável”, diz Frata. E arremata: “Em todos os níveis, deverão ser contempladas soluções com Segurança Cibernética”.

No entanto, quando analisamos friamente as condições para que essa área vital do Meio Ambiente, o Saneamento, seja contemplada nas iniciativas de inovação locais, caímos no mesmo problema já apontado por Gustavo, ou seja, a falta capacidade de investimento.

O Novo Marco Regulatório é uma das esperanças de profissionais e tecnólogos para que esse cenário se modifique. As recentes concessões de Alagoas e Rio de Janeiro, onde apareceram muitos interessados com planos de investimentos significativos, podem trazer o Brasil para um patamar superior em termos de investimentos e aplicações práticas dos novos planos de saneamento necessários às smart cities.

Outro profissional que vem fazendo presença em palestras e encontros técnicos na AEAA-MA é o Eng. Agrônomo Ernani Lazarini, que acompanha de perto as inovações e exigências principalmente em relação à agricultura.

Pode parecer estranho relacionar Smart Cities com o agronegócio, mas os meios e incentivos para se expandir e garantir uma agricultura inteligente passam pelas soluções de tecnologia e inovação fomentadas desse ecossistema global. As conexões no campo trazem consigo o potencial revolucionário de uma rede inteligente de sensores, câmeras, drones e outros dispositivos, que geram dados e interagem em um nível sem precedentes de controle e tomada de decisões automatizadas.[2]

Segundo Lazarini, devemos começar o quanto antes a investir para que o agro se torne tech. “Temos que ter infraestrutura em locais remotos. Existem muitas startups com soluções inovadoras, chamando a atenção do mercado das grandes empresas e criando hubs de inovação. Isso tende a desenvolver um ambiente criativo e competitivo, que vai popularizar as ideias para todo o mercado agro”, diz ele.

Voltando à questão do financiamento desse processo, o Eng. Agrônomo acredita que devem ser criadas linhas de crédito específicas para aplicação da inovação no campo. “Como o agronegócio trabalha com margens menores, o pequeno produtor tem dificuldade de enxergar o ganho a longo prazo”, acrescenta ele.

Como mais um fator importante nesse processo é a qualidade de conexão entre dispositivos digitais, como o maquinário agrícola, satélites, celulares e drones. “Temos que ter a saída do sinal do campo, com a chegada nos locais de processamento e tomadas de decisão: com as redes constituídas, será possível a maior conectividade do campo, de suas máquinas, seus dispositivos e sua gente. A agricultura de precisão terá capilaridade de forma inimaginável”, explica o engenheiro.

Atento a esse processo, o Crea-SP, que congrega todas as entidades de engenheiros do estado de São Paulo, tem se posicionado como referência em inovação no setor público, evidenciando sua transformação a partir da adoção de uma série de estratégias que colocam o profissional no centro das decisões. A aposta foi na inclusão de um departamento de Tecnologia e Inovação que monitora, estuda e traz as novidades para mais próximo do ecossistema.

E a  AEAA-MA, além de ser parte integrante desse sistema,  tem reverberado as     condições para que novos profissionais seja formados e orientados, dentro das perspectivas das cidades inteligentes. “Um trabalho intenso está sendo feito, com o apoio do CREA-SP, para que nossos  engenheiros, agrônomos, geocientistas e tecnólogos estejam inseridos dentro do processo de  implantação e desenvolvimento das smart cities em todo o nosso estado.

Como parte das ações, o Conselho lançou também o CreaLab (www.creasp.org.br/crealab), uma plataforma de relacionamento entre pessoas, organizações, startups e academia para lidar com os desafios desse contexto. E o Crea-SP Capacita (www.creasp.org.br/capacita), voltado especialmente para a capacitação e qualificação dos profissionais, colaboradores e demais interessados da sociedade civil, de forma gratuita ou em condições favoráveis, nos temas mais atuais da área tecnológica. As formações vão desde cursos livres às pós-graduações realizadas em parceria com renomadas instituições de ensino.

Resultado dessas iniciativas são os estudos de tendências, tecnologia e inovação que fomentam as áreas das Engenharias, Agronomia e Geociências. Os materiais são compartilhados entre as entidades de classe para que elas reproduzam os conhecimentos aos seus associados.

As feiras e exposições são outros espaços nos quais é possível aprender, bem como os cursos e eventos realizados pelo Conselho ou pelas parcerias formalizadas com as entidades de classe. “A partir do momento em que você está inserido numa realidade onde é preciso buscar eficiência, inovar e agir de forma sustentável, o melhor dos mundos é unir todas essas fontes para entender se as tendências servem ou não para aquilo que procura”, finaliza Pantaleão.

 

 

Confira a seguir a definição das palavras destacadas no texto:

1Startups: muito utilizado no ambiente de negócios, o termo refere-se ao ato de começar algo e é normalmente relacionado às empresas inovadoras que estão no início de suas atividades. 2Construtechs: startup que atua no ramo da construção civil, atribuindo o uso da tecnologia ao desenvolvimento de seus produtos e/ou serviços.

3Agtechs: outro tipo de startup. Neste caso, voltada para o agronegócio e a aplicação de tecnologias no campo.

4Edutechs: são startups que atuam no setor de educação, seja por meio de plataformas de ensino ou outras ferramentas educativas.

5Internet das Coisas: rede de conexão que interliga aparelhos físicos para compartilhamento de dados através da internet. Isso possibilita a tomada de ação e decisão remota, sem que seja necessário estar no mesmo ambiente da ferramenta para acioná-la. O que tem sido bem aproveitado na produção rural, mas também pode facilitar uma rotina domiciliar, com lâmpadas e eletrodomésticos inteligentes, por exemplo.

6Metaverso: tecnologia de imersão que permite a interação entre mundo real e digital por meio de realidade aumentada ou virtual.

7Digital twin ou gêmero digital: simulação virtual das características e condições reais de algum produto, objeto ou projeto. Verdadeiramente, é uma versão digital que permite a visualização completa e integral do item replicado em ambiente eletrônico.

8Criptomoeda ou cibermoeda: dinheiro virtual criado e protegido por criptografia que não existe fisicamente.

[1] Sigalei 360. Pesquisado em https://www.sigalei.com.br/blog/cidades-inteligentes-perspectivas-e-desafios-no-brasil, no dia 9-09-22.

[2] Gazeta do Povo, em www.gazetadopovo.com.br/vozes/smart-cities/brasil-condicoes-fomentar-smart-agro-cities. Acessado em 10-09-22.

12/01/2024

Compartilhe: